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segunda-feira, 4 de julho de 2011

A noite mais escura



Acordei durante a noite assustada com o barulho.
Muitos tiros, paracia até noite de festa junina, com  muitas bombinhas e rojões, só que o mais perigosa e nada divertida.


Mamãe e papai haviam saído; estavam em uma festa do trabalho e me deixaram sozinha em casa, o que não é e nem nunca foi um problema.
Levantei da cama e senti o vento gelado, típico de uma noite de inverno, vindo da janela e me fazendo tremer.
Ao me aproximar da  janela para ver o que estava acontecendo,  tropecei na minha escrivaninha e caí no chão com tudo. “Ah que maravilha!”- Pensei comigo.
A noite estava escura, apenas as estrelas e algumas velas e lanternas acesas. Ei! Não pense que eu moro no fim do mundo! Bom, o negócio é que hoje saiu a luz. Mas continuando… Eu não conseguia enxergar nada então voltei até a escrivaninha, sem tropeçar desta vez, peguei a lanterna e olhei pela janela.
Em todos os meus quinze anos nunca vi nada parecido. Havia coisas pegando fogo,  muita fumaça, muito vidro quebrado, pessoas feridas e mortas. De um lado a polícia, tentando conter o tumulto, do outro os traficantes. Acabava de chegar mais um caminhão com homens vestidos com fardas escuras e armas.
O vento ficou mais forte, fazendo com que meu cabelo liso chicoteasse na cara..
Ouvi um som alto e próximo, e por impulso me encolhi junta a parede. Eu estava no meio de um tiroteio, que ótimo…
“Ah droga preciso sair daqui!”- peguei o telefone e liguei para meu melhor amigo, que por acaso é meu vizinho.
“Alô? Oi Matheus. É a Sam”- Digo ao telefone.
“Oi Sam!!- diz ele animado- O que houve?”- Seu tom de voz  muda pensando no que poderia ter acontecido.
“Escuta, meus pais saíram e vou admitir: estou com medo. Posso ir na sua casa?”- Pergunto.
“Não!! Você enlouqueceu Samantha?”- Opa! Mau sinal, me chamou pelo nome- “No meio de um tirotei você quer sair?”-Repreendeu-me ele.
“Ah… Você tem razão. Desculpa, obrigada. Beijo.”- Digo envergonhada.
Sam, espere…” –Grita ele, mas eu já tinha desligado.
Dois minutos depois, uma batida  na porta ecoa pela sala.
“Samantha, abre a porta!!” –Grita uma voz conhecida do lado de fora.
“Matheus?! O que você está fazendo aqui?” –Pergunto confusa, abrindo a porta e abraçando-o. Não era ele que tinha dito para eu não sair?
“Vim ficar com você até seus pais chegarem.”- Responde ele.
“Mas isso pode demorar… E a sua vó?” – Pergunto preucupada.
“Foi ela que me mandou aqui.” –Responde ele dando uma piscadela.
Matheus tem dezesseis anos. É muito alto, 1,85 mais ou menos, e tem cabelos castanhos e ondulados na altura das orelhas. Ele não é o tipo de cara que a primeira vista, você diria que cuida de uma senhora doente e de todas as tarefas domésticas. Sua avó é muito amável e cuida dele desde que sua mãe  foi embora de casa quando ele era bebê, e seu pai foi internado em uma clínica psiquiatrica. Matheus é um guri com porte de jogador de futebol: musculoso, alto… Por isso geralmente passa impressões erradas.
Quando eu me mudei para esse cidade, ele foi a pessoa mais amigável, até se ofereceu pra ser meu guia turistíco.
Agora, voltando a realidade…
Eu fui a cozinha e peguei duas latas de refrigerante e ofereci uma a ele. Estavamos conversando quando mais tiros, muitos tiros seguidos são disparados, seguidos por uma pancada ruidosa.
Subi a escada e olhei pela janela e de repente o desespero me inundou. Era o carro dos meus pais!! Tudo escureceu e eu senti os braços do Matheus me sustentando antes de eu cair no chão. Logo me recuperei e fiquei de pé.
“Ah meu Deus!! Mãe! Pai!”- E disperei escada a baixo até a porta.
Quando eu girei a maçaneta, Matheus segurou o meu braço.
“Não. Não vai ajudar se você levar um tiro” –Disse ele me advertindo.
“Mas eu…”- E parei. Aquele olhar queria dizer “não e ponto final” e se tem uma coisa que eu aprendi nesses dois anos que sou amiga do Matheus, é que não faz sentido discutir com ele quando tem esse olhar no meio da conversa.
Depois de uma meia hora uma ambulância chegou, não sei como conseguiu passar pelos tiros, a única coisa que consegui ver foi a porta se abrindo e os médicos colocando meu pai pra dentro. Só isso.
Não sei como conseguiram sair. Tinha tiro pra todo o lado.
A noite se arrastava, perecia que nunca chegaria o amanhecer. Matheus me tranquilizava, ficava falando que eu tudo ia ficar bem e para eu não me preucupar.
Eram quatro da manhã quando eu me rendi ao sono, deixando para trás tudo o que estava acontecendo.
Quando acordei, tinha a impressão de ter dormido apenas 15 minutos. Que nada!! Já eram oito da manhã. Eu tinha que ir ao hospital.
“Há que horas os tiros acabaram?”- Pergunto.
“Umas cinco e meia, acredito. Os traficantes fugiram”- Responde ele.
“E por que você não me acordou? Não tinha mais perigo, podíamos ter ido ao hospital!”- Pergunto chateada.
“Você precisava descansar. Podemos ir agora, mas acho melhor você trocar de roupa. Não vai querer  ir de pijama, não é?”- diz ele começando a rir com a cena que passa em sua cabeça.
“É acho que não.”- Respondo.
Quando me olhei no espelho quase cai pra trás. Meu cabelo que geralmente era liso com umas ondas nas pontas, estava cheio de nós gigantes; meus olhos vermelhos por causa do choro, meu rosto inchado porque tinha acabado de acordar e com olheiras fundas. Mas fazer o quê. Tive uma noite de cão.
Quando cheguei ao hospital, fui direto a recepção.
“Com licença, senhora. Eu gostaria de saber sobre os pacientes Eduardo e Márcia Moreira.”- Falo.
“E quem é a senhorita?”-  pergunta a mulher baixinha, de cabelos grisalhos que usava uns óculos antiquados.
“Eu sou a filha deles. Samantha Moreira de Paula.”- Respondo.
“Ah… Só um instantinho querida, vou falar com o médico.”- Diz a mulher se levantando e desaparecendo por uma porta que dizia “EMERGÊNCIA”.
Depois de uns dez minutos ela voltou acompanhada por um homem alto, vestido com um jaleco branco.
“Bom dia, senhorita…-ele folheou a prancheta que carregava- Samantha. Sobre seus pais… Seu pai chegou aqui muito ferido. A pancada o deixou inconsciênte e…”- Disse ele mas antes que pudesse terminar eu o interrompi.
“Posso vê-los? Por favor, doutor.”- Implorei.
“ Não, Samantha. Seu pai não resistiu e sua mãe… Ela morreu no local. Um tiro a acertou. Sinto muito”- Ele disse.
A cada palavra que ele dizia, era como se um pedacinho do meu coração disaparecesse.
“Não, não. Meus pais mortos?”- Não podia ser verdade. As lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos  e os soluços que eu não consegui conter começaram a aumentar.
Matheus estava ao meu lado com um braço envolvendo meus ombros, eu encostei a cabeça em seu ombro e desabei a chorar. E eu fiquei ali, chorando e lamentando até que ele me levou embora daquele lugar onde eu jamais queria voltar. E que eu queria poder esquecer… Para sempre.
Samantha Moreira de Paula.
2010

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